quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

OS ALIMENTOS GRAVÍDICOS

A lei 11.804 de 05 de novembro de 2008 trata dos alimentos gravídicos. Seu objetivo visa oficializar uma situação jurídica que há muito é objeto de vários estudos e que consiste no deferimento de alimentos que irão retroagir à época da concepção do filho, com base nos princípios do Dever Familiar, da Paternidade Responsável, da Dignidade da Pessoa Humana e do Direito à Vida.
Os doutrinadores – sem esquecer a jurisprudência - passaram anos observando e estudando as mudanças sociais que, conseqüentemente, modificaram a forma de estudo e aplicação do direito, principalmente nos campos de direito civil e direito de família. Surgiram novos temas e princípios, tais como a despatrimonialização do direito civil, o poder familiar (antigo pátrio poder), função social dos contratos e da propriedade, a paternidade responsável, a regra da guarda compartilhada, o reconhecimento do vínculo afetivo para várias situações, etc. Tudo isso sob o manto da nossa já conhecida Dignidade da Pessoa Humana.
Os alimentos sempre possuíram um caráter todo especial, pois englobam valores e situações que vão desde aquelas indispensáveis à mantença da vida com dignidade, até aqueles que ultrapassam os limites da subsistência, no sentido de que se mantenha a condição social daquele que se diz necessitado.
Como o título deste estudo limita o campo de análise aos alimentos oriundos do dever familiar e da paternidade responsável, vamos seguir esta trilha como fizeram João e Maria, que marcavam o caminho percorrido, para que o campo de análise não se expanda por demais.
A família tem total proteção do Estado e a nossa CRFB/88 diz que ela é base da nossa sociedade.
Como uma conseqüência automática a esta afirmativa, a criança e o adolescente ganharam total proteção, sendo um dever de todos (família, sociedade e do Estado) “assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”1.
Além do mais, “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”2, fixando um instituto muito maior do que uma simples obrigação, que é o DEVER.
A igualdade entre os filhos, fixada pelo artigo 227, § 6° da CRFB/88, também demonstra um força jamais vista, sepultando qualquer tipo de dúvida que ainda pudesse existir no que diz respeito à filiação. Filho é filho!
A filiação possui entendimento único, sendo diverso somente o modo como se origina, tais como de origem natural, biológica e geneticamente falando, de origem adotiva ou, até mesmo de origem afetiva.
Na esteira da nossa CRFB/88, o Código Civil Brasileiro prega como dever de ambos os cônjuges o “sustento, guarda e educação dos filhos”3 e, também, ao falarmos sobre o poder familiar, compete aos pais dirigir a criação e educação dos filhos menores, de acordo com o artigo 1.634, I do nosso CC. Trata-se do direito de família constitucional e, principalmente, do melhor interesse da criança.
Todas as normas citadas prevêem o dever do pai e da mãe em suprir as necessidades primordiais ao desenvolvimento do filho menor, melhor dizendo, da criança, do recém nascido e, até mesmo, do nascituro que se transforma em sujeito de direito quando se trata de direitos personalíssimos ou do próprio direito de viver.
Desde sua origem, o pleito de alimentos sempre teve o caráter de urgência com o objetivo de prover a subsistência do necessitado e por conta disso, surgiu a lei 5.478 de 1968 para regular a ação de alimentos, criando o rito especial para dar maior celeridade ao processo e ofertar uma certa garantia ao requerente, que precisava comprovar “o parentesco ou o vínculo obrigacional”4 do requerido para que seu pedido pudesse ser deferido e, ainda, a lei impunha a regra do artigo 13, § 2°, que permitia que os alimentos deferidos retroagissem à data da citação naqueles casos específicos5. Também não podemos esquecer o artigo 4° da lei, que permitia ao juiz fixar alimentos provisórios no despacho da inicial. Tais regras permanecem até hoje.
Mais tarde veio a lei 8.560/1992 para regular a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e o seu artigo 7° previa e prevê que na própria sentença que reconheça a paternidade, já venham fixados os alimentos provisionais ou definitivos caso haja a necessidade do filho reconhecido.
Muitos pais, aqui falando apenas dos genitores masculinos, ainda tentavam burlar a lei e se esquivar do reconhecimento, através de vários expedientes ardilosos, dificultando a coleta de provas e se esquivando das citações, pois o artigo 7° da lei 8.560/92 só previa os alimentos após a sentença. Por todo o período de tramitação da ação, mãe e filho passavam por toda sorte de necessidades, sem a ajuda do genitor.
Desta feita, a jurisprudência, nas ações de investigação de paternidade, passou a entender pela regra do artigo 13, § 2° da lei de alimentos, que explicitava que os alimentos, em qualquer caso, retroagiriam à data da citação.
Criou-se a Súmula 277 do STJ6.
Tal caminho foi o escolhido para evitar que as injustiças e os sofrimentos que atingiam mães e filhos continuassem a obstruir a evolução do estudo jurídico, com base em princípios constitucionais e a própria evolução da justiça.
Houve uma onda de decisões deferindo alimentos desde a época da citação e outras tantas deferindo alimentos provisórios nas ações de investigação de paternidade, quando o juiz se convencia da verossimilhança das alegações do requerente e o requerido não apresentava provas contrárias ao pedido ou até mesmo se recusa em produzir alguma prova, como nos casos de recusa ao exame de DNA.
Foi uma grande evolução jurídica, porém, tudo estava apenas começando.
Mesmo com a certeza da evolução, as decisões ainda eram travadas e demonstravam insegurança, pois os magistrados deferiam os alimentos provisórios ou retroagiam os alimentos desde a data da citação, sob a proteção de princípios que não tinham limites ou, melhor dizendo, não tinham o limite imposto nas decisões, que era a data da citação.
Vejamos a fundamentação usada em diversas decisões:

TJ-RS
APELAÇÃO CÍVEL
SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Nº 70 010 299 451
COMARCA DE LAJEADO
I.S.A.
.. APELANTE/APELADO
W.O. P.S.M. M.O.
. APELANTE/APELADO

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS. ADEQUAÇÃO. INCIDÊNCIA SOBRE VERBAS REMUNERATÓRIAS. SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. OS ALIMENTOS DEVEM SER FIXADOS TENDO EM MIRA AS NECESSIDADES DO ALIMENTANDO E TAMBÉM AS POSSIBILIDADES DO ALIMENTANTE, QUE DECORREM DA RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE OS SEUS GANHOS E OS SEUS ENCARGOS DE FAMÍLIA, INCLUSIVE COM OS OUTROS FILHOS, DEVENDO ASSEGURAR A TODOS PADRÃO DE VIDA ASSEMELHADO. 2. OS ALIMENTOS INCIDEM SOBRE O 13º SALÁRIO, FÉRIAS E HORAS EXTRAS, QUE TEM NATUREZA SALARIAL, MAS É DESCABIDA A PRETENSÃO RELATIVAMENTE ÀS VERBAS QUE TEM CARÁTER INDENIZATÓRIO, COMO É O CASO DAS DIÁRIAS E AJUDAS DE CUSTO, OU QUE REVERTAM EM FAVOR DO ALIMENTANDO, COMO É O CASO DO PLANO DE APOSENTADORIA. 3. O pai é pai desde a concepção e não desde a sentença que reconhece o vínculo, cuja natureza é declaratória e não constitutiva do liame parental. Consoante entendimento jurisprudencial pacífico nesta corte, a obrigação alimentária vige desde a citação ex vi do art. 13, §2º, da Lei nº 5.478/68, pois os filhos, reconhecidos ou não, devem ser tratados em igualdade de condições. Inteligência do art. 226, §6º, da CFB. Conclusão do Centro de Estudos do TJRS. 4. Tratando-se de ação de investigação de paternidade, onde há pretensão cumulativa de alimentos, a verba de honorários deve REMUNERAR CONDIGNAMENTE O LABOR PROFISSIONAL, ATENTANDO-SE PARA O TEMPO DE TRAMITAÇÃO DO PROCESSO, PARA O ZELO E PARA A DEDICAÇÃO DO ADVOGADO. MOSTRA-SE ADEQUADO O PERCENTUAL DE 15% INCIDENTES SOBRE A ANUIDADE ALIMENTAR E SOBRE O MONTANTE DO VALOR DEVIDO DESDE A CITAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 20, §3º, DO CPC. RECURSOS PROVIDOS EM PARTE, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR.


Na absoluta maioria das decisões que deferiam alimentos nas ações de investigação de paternidade, que eram retroativos à data da citação do requerido, a fundamentação era a mesma como visto acima, ou seja, o pai é pai desde a concepção e a natureza da ação é meramente declaratória. Porém, os alimentos somente podem retroagir à data da citação, pois a lei assim o diz - ou dizia até a publicação da nova lei.
Essa era a situação jurídica que passou a ser enfrentada e estudada, de uma outra maneira ou com um grão a mais de sal, pois de uma lado tínhamos o positivismo jurídico de Kelsen, um Monstro do direito, que era, talvez, a maior fonte dos nossos estudos jurídicos e de outro lado um novo direito civil, um novo constitucionalismo, novos princípios que desejavam se sobrepor à lei escrita, ao positivismo, à tudo aquilo que levamos uns 100 anos aprendendo.
Como admitir alimentos desde a concepção do requerente? Tal coisa era impossível aos olhos de muita gente boa e consagrada que negavam a dita retroação, mas escreviam e falavam nos princípios que garantem tal fenômeno jurídico.
Vejamos o que dizia Pontes de Miranda-7:

O reconhecimento não é ato atributivo, mas simplesmente declarativo, no sentido do direito civil, da filiação da pessoa a que se refere. A filiação, que existia antes, embora sem caráter legal, passa a ser assente perante a lei. O reconhecimento, portanto, não cria: revela-a. Daí resulta que os seus efeitos, quaisquer que sejam, remontam ao dia do nascimento, e, se for preciso, da concepção do reconhecido.

Seguindo a linha, temos Caio Mário da Silva Pereira-8:

O direito que tem o filho natural reconhecido aos alimentos reveste-se dos mesmos caracteres do crédito alimentar em geral.
Nosso direito não distingue, como o suíço, se o reconhecimento provém de investigação “qualificada”, caso em que há equiparação aos legítimos, ou “ordinária” em que se restringe o direito alimentar a simples manutenção.
Há um ponto, entretanto, que merece atenção especial: a irretroatividade.
Já vimos que a declaração de paternidade é retroativa, fazendo retrotrair o estado à data do nascimento, até mesmo à concepção.
Não obstante isto, o débito alimentar vigorará para o futuro, e se já era necessitado o filho, anteriormente à data da perfilhação, nem por isso fica o pai obrigado a pagar-lhe as prestações pretéritas. Não porque inexistisse a obrigação alimentar anteriormente ao reconhecimento, pois sendo a obrigação alimentar jure sanguinis, já era devida com fundamento no vínculo biológico, e só não se efetivara porque a relação da paternidade não era juridicamente conhecida. Mas, como esta só se tornou conhecida pelo reconhecimento, o dever moral de alimentar só se tornou obrigação legal e exigível a partir desta ocorrência. Assim a jurisprudência.
...
Mas porque é da própria natureza do crédito alimentar dirigir-se ao presente e ao futuro, nunca ao passado. Como ensina Ruggiero, sendo a finalidade da prestação alimentar assecuratória da manutenção, o alimentando não a pode reclamar para o tempo decorrido, porque bem ou mal ele viveu, não sendo possível que o devedor tenha de alimentá-lo para o passado, como já no Direito Romano se dizia na parêmia: in praeteritum non vivitur...”

É perfeitamente possível enxergar a intenção de pensamento do doutrinador ao afirmar a pré-existência do vínculo biológico antes de qualquer vínculo legal e, principalmente, ao reconhecer que a obrigação alimentar tem caráter jure sanguinis. Porém, como já foi dito, a lei brecava o desenvolvimento da idéia, da tese ou do caminho traçado para se chegar à retroatividade dos alimentos paternos. Quase todos os doutrinadores reconheciam que o vínculo nascia desde a concepção, porém, ficavam amarrados aos ditames da lei, por conta dos ensinamentos positivistas.
Mas a evolução continuava e coube a sua mais forte defensora, a brilhante desembargadora e doutrinadora Maria Berenice Dias, o papel de carregar a bandeira da retroatividade dos alimentos à data da concepção ou à data em que o pai viesse a ter ciência da gestação de seu filho.
Aqui temos uma das decisões proferidas pela desembargadora Maria Berenice Dias:

TJRS.
APEÇÃO CÍVEL 70012915062
7ª Câmara Cível.
EMENTA: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECUSA EM SUBMETER AO EXAME DE DNA. ALIMENTOS. FIXAÇÃO E TERMO INICIAL À DATA DA CONCEPÇÃO. A recusa em se submeter ao exame de paternidade gera presunção da paternidade. O fato de inexistir pedido expresso de alimentos não impede o magistrado de fixá-los, não sendo extra petita a sentença. O termo Inicial da obrigação alimentar deve ser o da data da concepção quando o genitor tinha ciência da gravidez e recusou-se a reconhecer o filho. REJEITADA A PRELIMINAR. APELO DESPROVIDO, POR MAIORIA. _ SEGREDO DE JUSTIÇA _ (Apelação Cível Nº 70012915062, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 09/11/2005)

Esta decisão foi proferida antes mesmo do projeto de lei que originou a lei de alimentos gravídicos.
Maria Berenice Dias-9 usava os ensinamentos dos próprios doutrinadores, que negavam a retroatividade, para justamente fazer com que o pai pagasse os alimentos desde a data da concepção:

Mas pai é pai desde a concepção do filho. A partir daí, nascem todos os ônus, encargos e deveres decorrentes do poder familiar. O simples fato de não assumir a responsabilidade parental não pode desonerá-lo. O filho necessita de cuidados especiais ainda durante a vida intra-uterina. A mãe tem que se submeter a exames pré-natais, e o parto sempre gera despesas, ainda que feito pelo SUS. Durante a gravidez, a mãe precisa de roupas especiais e alimentação adequada, sem olvidar que tem sua capacidade laboral reduzida durante a gestação e depois do nascimento do filho. Também seus ganhos são limitados durante o período da licença-maternidade.
É preciso dar efetividade ao princípio da paternidade responsável que a Constituição procurou realçar quando elegeu, como prioridade absoluta a proteção integral a crianças e adolescentes (CF, art. 227), delegando não só à família, mas também à sociedade e ao próprio Estado, o compromisso pela formação do cidadão de amanhã. Esse compromisso é também do Poder Judiciário, que não pode simplesmente desonerar o genitor de todos os encargos decorrentes do poder familiar e, na ação investigatória de paternidade, responsabilizá-lo exclusivamente a partir da citação.
Mas há outro princípio constitucional que necessita ser invocado: o que impõe tratamento isonômico aos filhos, vedando tratamento discriminatório (CF, art. 227, §6º). O pai responsável acompanha o filho desde sua concepção, participa do parto, registra o filho, o embala no colo. Deve a Justiça procurar suavizar essas desigualdades e não as acentuar ainda mais.


O que já era previsto de forma filosófica e era objeto de diversas discussões se transformou em lei, soterrando as posições contrárias à possibilidade de alimentos retroativos à data da concepção da criança.
A lei 11.804 de 5 de novembro de 2008 veio para aparar arestas e solucionar uma desigualdade de fato e até mesmo de direito que persistia mesmo na vigência da nossa querida CRFB/88.
Não vejo nenhuma possibilidade de inconstitucionalidade dos artigos presentes na lei e vale lembrar que o artigo 6° da lei de alimentos gravídicos demonstra que o pleito deverá ser baseado em provas fortes sobre a paternidade do requerido, não bastando simples alegação de Fulana, dizendo que Sicrano é o pai de seu filho e por isso quer dez salários mínimos de pensão.
A vigência da lei não é uma festa profanadora do processo civil ou dos direitos do requerido, mas apenas demonstra uma evolução do estudo jurídico e da melhor aplicação da nossa CRFB/88, colocando um fim nas injustiças impostas a várias mães e, principalmente, às crianças que já sofriam uma discriminação desde a gestação.

NOTAS

1. Artigo 227 da CRFB/88.
2. Artigo 229 da CRFB/88.
3. Artigo 1.566, IV do CC.
4. Artigo 2° da Lei 5.478/68.
5. Art. 13. O disposto nesta lei aplica-se igualmente, no que couber, às ações ordinárias de desquite, nulidade e anulação de casamento, à revisão de sentenças proferidas em pedidos de alimentos e respectivas execuções.
§ 2°. Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação.
6. Súmula 277. Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação.
7. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. 3ª edição. Ed Forense. Rio de Janeiro, 1991. p. 264/265.
8. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo IX – Direito de Família: Direito parental. Direito protectivo. 3ª edição. Ed. Borsoi. Rio de Janeiro, 1971. p. 99.
9. DIAS, Maria Berenice. Alimentos e investigação de paternidade. Clubjus, Brasília-DF: 09 ago. 2007. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2008.

Sobre a tramitação da PEC 28/2009

A proposta de emenda constitucional 28/2009, que objetiva suprimir os prazos para o divórcio-conversão e para o divórcio direto, ainda não foi votada de forma definitiva.
Seu texto foi aprovado, mas ainda é preciso finalizar o processo para que ela se transforme em emenda à nossa constituição. A matéria não foi apreciada na sessão de ontem, dia 10/02/2010, sendo transferida para a sessão deliberativa ordinária de hoje, dia 11/02/2010.
Tais transferências de data, para a definitiva apreciação da matéria, ocorrem desde dezembro de 2009 e precisamos ficar atentos ao dia de sua efetiva apreciação.
Estamos aguardando.

Artigo sobre a PEC 28/2009, que traz nova regra para o divórcio, tendo sido publicado em 2009

Estamos na iminência de ser aprovada uma nova emenda constitucional. Trata-se da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 28/2009, que no final de junho já teve parecer de aprovação na CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) e suprime os prazos para que um casal possa se divorciar.
A PEC 28/09 tem um texto simples e curto, objetivando alterar o artigo 226 da CRFB/88, mais especificamente o seu parágrafo 6°.
O artigo acima citado e seus parágrafos tratam da família, desde sua criação e mantença até a sua dissolução, dizendo que “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Quanto ao seu parágrafo 6°, o mesmo trata da dissolução do vínculo matrimonial, através do divórcio-conversão ou do divórcio direto, estipulando respectivamente os prazos de um ano após a separação judicial e dois anos de separação de fato, para que seja dissolvido o casamento.
Façamos um parêntese para explicar de forma rápida a diferença entre sociedade conjugal e vínculo matrimonial. A sociedade conjugal corresponde aos deveres mútuos de coabitação, fidelidade, assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, respeito e consideração (artigo 1.566 e seus incisos do CC). É a popularmente conhecida “vida de casado”, que pode ser dissolvida pela separação judicial ou pela separação de corpos. Já o vínculo matrimonial é mais amplo e abrange a sociedade conjugal, sendo rompido apenas pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, ou, ainda, nos casos de morte presumida pela ausência (artigo 1.571, § 1° do CC).
O direito praticado e ensinado no Brasil vem da escola romano-germânica e após a massificação do cristianismo também sofreu grande influência do direito canônico, ou seja, o direito romano sob os olhos de Deus e dependendo de sua aprovação divina.
Por isso temos até os dias de hoje a origem sagrada do casamento. Para alguns, como o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (século XIX) o casamento trata-se de um fardo pesado e um erro de cálculo em busca da prosperidade. Já para outros, como Modestino, jurista romano do século III, o casamento trata-se de algo divino, é a união do homem e da mulher aos olhos de Deus, na busca da felicidade eterna e da preservação da espécie humana, através da prole oriunda do casal.
O casamento sempre foi um evento social e uma cerimônia religiosa de grande importância, desde a sua origem, além de fazer nascer uma relação jurídica praticamente eterna. Relação essa capaz de unir pessoas, famílias, reinos e Estados. Relação capaz de criar guerras ou semear a paz.
A dissolução do casamento sempre existiu, principalmente, antes da disseminação do cristianismo. O Velho Testamento do povo hebreu e o Código de Hamurábi permitiam o divórcio, assim também o fazia o Código de Manu e as leis da Grécia antiga também permitiam a dissolução do casamento. Em Roma, nas primeiras fazes do Império, o divórcio não era aceito, mas após a evolução daquela sociedade e mudança de costumes, o divórcio passou a ser permitido. Permitia-se a dissolução do casamento, repudiando-se a mulher, principalmente, quando essa era estéril, ou seja, quando a mulher não poderia ter filhos. O marido poderia mandá-la embora e assim casar-se com outra, para que pudesse procriar e manter os seus sangue e espírito perpetuados na Terra.
Com a disseminação do cristianismo e com a ligação direta entre Reinos e Deus – ligação direta, com o intermédio da Igreja Católica – o casamento se tornou um sacramento e passou a ser indissolúvel.
A Igreja abençoava o casamento em nome de Deus e as normas cuidavam da parte patrimonial. O casamento era eterno e o que Deus uniu o homem não poderia separar.
O Brasil é um país novo e praticamente só conheceu um tipo de casamento, com características essenciais que permanecem ainda hoje, sofrendo, logicamente, modificações em suas regras, de acordo com a evolução social e jurídica.
Desde a origem, o nosso casamento, melhor dizendo, a família brasileira sofreu influências da família do direito romano, do direito canônico e do direito germânico. O que isso quer dizer? O casamento era a base ou ponto inicial para que surgisse uma família. Não existia família sem casamento e, durante muito tempo, casamento não celebrado pela Igreja Católica não tinha valor. Porém, é preciso informar que existiu no Brasil o Decreto 181 de 1890 que permitia o divórcio a thoro et mensa, que significava cama e mesa e, por isso, apenas permitia a separação de corpos e não rompia o vínculo matrimonial. Era o divórcio mitigado que hoje é tratado como a separação de corpos.
Somente em 1977, após vários anos de luta e debates, com um adversário poderoso, que era a Igreja Católica, sendo o Brasil o maior país católico do mundo, é que foi aprovada uma emenda constitucional para que se pudesse dissolver o casamento válido. A emenda constitucional número 9 de 28 de junho de 1977 deu nova redação ao artigo175, parágrafo 1°, da CRFB/69 para suprimir o caráter indissolúvel do casamento.
A Igreja Católica perdia uma grande batalha no Brasil, mas as regras impostas pela Lei 6.515/77 (Lei do divórcio), que regulamentou a EC09/77, eram bastante dificultosas, pois exigia separação judicial por mais de 3 anos para o divórcio-conversão e, ainda, para o divórcio direto, exigia-se mais de 5 anos de separação de fato.
Com a CRFB/88, sua ideologia e seus princípios os prazos para o divórcio foram reduzidos. O divórcio-conversão passou a exigir um ano de separação judicial e para o divórcio direto, dois anos de separação de fato.
A nova proposta de emenda constitucional, a PEC 28/2009, prevê a exclusão dos prazos para o divórcio, passando a não mais existir os prazos de um e dois anos, respectivos ao divórcio-conversão e ao divórcio direto.
A Lei 6.515/77 não provocou uma enxurrada de divórcios e nem a desgraça das famílias e a nova regra, se assim for aprovada, também não será causa do caos familiar e do fim dos casamentos, pois ainda persistem os ensinamentos do direito romano e do direito canônico, de que um casamento se faz com amor e com afeto. Trata-se do princípio da affectio maritalis que ainda une pessoas e mantém um casamento vivo.
Por derradeiro, a PEC 28/2009, sendo aprovada, irá dar fim a prática corriqueira de diversos casais que incentivam amigos a praticarem falsos testemunhos, com o objetivo de fazer prova para a exigência da lei, no que tange ao prazo de 2 anos para o divórcio direto.